Ode à Independência

"Home... This house is not a home. I am better off alone" (Three Days Grace - Home)


Sempre foi assim, antes mesmo dessa casa ser minha. Eu sempre me senti melhor aqui do que na minha casa de verdade. Na minha casa, eu morava com a minha mãe, e nós duas sempre tivemos um relacionamento conturbado. Eu e minha mãe só nos entendíamos mesmo à distância. E quando minha irmã morava com a gente, era como se estivéssemos a distância. Ela só tinha olhos pra adolescência da minha irmã, e a minha infantilidade não lhe dava trabalho, portanto nem lhe cobrava sua atenção. Então, quando ela teve que encarar a minha adolescência (a fera) sozinha, ela tomou um verdadeiro susto, não estava preparada pra aquilo. Bullying, bebida, homossexualidade, rebeldia, ateísmo,... Era muita coisa numa criança só pra encarar. Então, nós vivíamos numa espécie de cativeiro de emoções, perturbações e brigas. Era sempre assim. Na minha casa, eu não tinha privacidade pra nada. Eu não tinha um quarto, nem mesmo uma cama. Dormia num mini-sofá que deixava minhas pernas de fora, penduradas. Tinha de ouvir suas músicas, as que eu não gostava, e ouvir suas estações de rádio e suas novelas de televisão. Tinha de me importar onde e como guardar minhas coisas pra que elas não fossem recolhidas ou vigiadas. Tinha que medir minhas palavras e ações, para não ser descoberta, para não ser prejulgada. Tinha que esconder minhas coisas, para que não fossem encontradas. E você as procurava. Se o pouco de privacidade (que privacidade?) que eu tinha estava lá, você fazia questão de me tirar.

Então, quando eu comecei a vir pra cá, a minha vida mudou, literalmente. Não importava. Meu pai nunca estava em casa. Não importava quantos fantasmas ou espíritos tinham nesta casa. Ela me acolhia inteiramente, como se me desse um grande abraço. Aqui dentro, mesmo sozinha, eu me sentia bem. Porque eu queria estar sozinha, por querer mesmo. Eu não gosto de obrigações, de pressões, de responsabilidades que eu me recuso a aceitar. Eu não gosto de ver pessoas que eu não gosto de ver, não gosto de falar. E eu odiava ficar brigando com ela. Odiava ficar num clima chato, ou numa ansiedade abrupta, com medo de ser descoberta por algo que eu não sabia que fiz. Era paranóico, era deprimente. E aqui, eu senti um silêncio. Uma profundidade, uma serenidade, uma liberdade... Era ameno, era leve, era macio, um assopro... A diferença era catastrófica. Eu podia dormir, sem ser perturbada, porque o silêncio me acolhia as horas que fossem. Eu podia acordar quando bem entendesse e dormir quando bem entendesse. Eu podia me refestelar na cama ou no sofá e me sentir tranqüila, sem problemas ou pensamentos ruins, sem cobranças ou discórdias. Podia comer e beber o quanto ou o que quisesse, a hora que quisesse. Sem horários, sem limites, sem amarras. Podia andar nua pela casa, se assim bem entendesse. Me masturbar às horas que quisesse, onde bem quisesse, se eu quisesse. Podia ouvir minhas músicas, quaisquer músicas, em quaisquer horários, em quaisquer volumes. Podia ler, podia jogar, podia assistir, sem precisar me policiar. Podia largar minhas roupas pela casa, podia escolher que roupas lavar, que roupas deixar sujas. Podia escolher que dia seria o da desordem, que dia seria o da arrumação. Podia ou não lavar a louça se eu quisesse. Podia sair, se eu quisesse, e ficar se assim me viesse à cabeça. Podia voltar que dia, que hora eu estivesse afim. Podia também ir pra qualquer lugar que me desse na telha. Eu podia chamar todos meus amigos pra dormirem comigo, se eu me sentisse sozinha. Como poderia não chamar ninguém, quando acordasse naqueles dias em que não quero ver a cara de pessoa alguma. Se eu quisesse pedir comida pelo telefone, assim o faria. Se eu quisesse apenas ficar deitada de roupa de dormir o dia todo, ninguém me incomodaria. Sem mais brigas, sem mais cobranças, sem falta de privacidade... A vida não é um martírio quando temos liberdade, e sabemos lidar bem com nossas responsabilidades. Estou em dia com as minhas contas, com a minha vida, com as minhas coisas. Eu não quero ser incomodada. Eu quero ficar na minha, curtir um eu à sós. Eu adoro isso.

E depois você fica incomodada de me ver crescer, fugir, sair e bater minhas asas sozinha. Você tem medo que eu me fira, ou que eu quebre a cara, porque tem medo que eu não cresça. Você vem me vigiar e se surpreende com meu estado de espírito. Parece melhor sem você, minha sinceridade e meu sorriso. Você vê que os pesos nos meus ombros não existem mais. Minhas dores nas costas, na cabeça e nas juntas. Que eu não mais tenho pesadelos. Que eu não choro pelos cantos, escondida no banheiro, deitada como um feto, agarrando minhas pernas no sofá da sala. E isso incomoda você. Minha felicidade parece incomodar você, porque você queria que eu fosse feliz com você, mas você sabe que isso não é possível. E você é egoísta e tenta me tirar tudo o que é bom que eu tenho. E você vê que eu consigo lutar, porque eu recuperei minhas forças, e eu não temerei te mostrar minhas garras se você tentar roubar tudo o que eu consegui. E então, você suspira e se conforma, como quase tudo e todos nós na minha vida. Você deixa, e tenta entender que essa é minha vida, e nada vai mudar ela. Que eu a quis assim, e que você vai ter que deixar eu andar com minhas próprias pernas. Assumir a responsabilidade das minhas próprias ações, sofrer com meus próprios erros. Aproveitar meus próprios acertos.

Eu também me conformava assim. Eu tinha certeza que um dia eu seria feliz, mas eu até me surpreendi... Pra mim foi tarde, mas foi tão cedo. A gente nunca sabe quando vai conseguir que nossos planos dêem certo. Eu fiquei tanto tempo presa à um trabalho humilhante que nada me dava em troca, além de estresse, depressão, irritação... Me destruía por dentro, como pessoa. Me tornava egoísta, falsa, mesquinha, arrogante, materialista, hipócrita... E o pior de tudo, conformada. Eu não ligava de ser tratada como um cachorro a todo o tempo. De ser chutada como um galho seco no chão seco. Eu não me incomodava de ser um burro de carga, carregando eles pra lá e pra cá, enquanto me chicoteavam o lombo. Pareciam que tinham me colocado um cabresto. Eu nada fazia, mal me movia. Esperava vir um cavaleiro em seu cavalo branco me salvar, me dar um beijo pra eu acordar do meu transe psicótico, dentro daquele vazio tedioso e doentio. Mas nada acontecia. Eu tive de sujar minhas mãos, mãe. Eu fiz tanta merda, tanta coisa. Muita coisa eu poderia ter me arrependido de fazer, e eu até me arrependi por hora, até segunda ordem. Mas quando eu vi o que eu poderia ganhar, quando eu vi onde eu iria chegar... Cara, eu não queria nem mais saber. Se jogar tudo pro alto, jogar a merda no ventilador, enfiar o pé na jaca, poderia me trazer pra esse paraíso solo-individualista-auto-afirmativo, eu já o teria feito há tempos. Se eu não fosse tão covarde a maior parte do tempo. Tirando meu corpo fora, fingindo que não é comigo. Acho que eu fiquei boa em fazer isso. Entrar no "How to Disappear Completely" (Radiohead), e cantar "I'm not here... This isn't happening" ("Não estou aqui... Isso não está acontecendo"). Mas se eu fosse dizer quem realmente me ensinou a fugir, esse alguém foi você. Você sempre fingiu que eu não sou quem sou, não é? Você sempre fugiu das nossas discussões. Até hoje, as outras pessoas que falam contigo sabem mais o que você pensa de mim do que eu mesma. Até hoje eu fujo de pensar nisso. Eu não quero brigar com você. Eu finjo que está tudo bem. Que você de uma certa forma ainda tem me pressionado para que eu desista de ser independente, para que eu largue minha felicidade, e de encontro ao seu egoísmo, dependa de novo de você. Só que assim como eu sou conformada, eu sou cabeça-dura. Se eu tenho a pérola nas mãos, eu não pretendo tacá-la de volta no rio, nem que pra isso, eu tenha que enfrentar Deus e o mundo. Dar o meu jeito, inventar. Eu sei, não sei o que farei do futuro, o futuro à Rei Ayanami pertence, eu não quero pensar nisso agora. Eu quero viver e aproveitar, como eu disse que sei fazer bem, quando estou bem... E eu estou bem...

Eu realmente não sei o que vai ser de mim daqui pra frente. Eu não tenho nada a que recorrer. Eu não tenho o que eu quero totalmente, digo... Essa liberdade de fato é tudo o que eu quero. Mas eu não tenho como garantí-la pra sempre pra mim, pelo menos, não ainda. Quando eu tiver, pode-se ter certeza, eu vou estar completa. Com a felicidade em minhas mãos. Os problemas serão esporádicos, minha vida não será mais mediana.

Sabe? Eu até gosto de ser homossexual. Eu até gosto de não poder me casar. Eu gosto da liberdade. De escolher com quem ficar. Eu adoro morar sozinha. Eu adoro ficar sozinha, sem sentir solidão. A solidão me pega desprevenida, às vezes, a maioria delas, quando estou acompanhada. Agora, sozinha não. Eu sempre arrumo o que fazer sozinha. Geralmente, fico entediada acompanhada, mas sozinha não... Eu até durmo se estiver entediada sozinha. Mas se você estiver com alguém e dormir, a pessoa vai provavelmente ficar puta com você. Eu gosto de ler meus livros, ver meus filmes e ouvir minhas músicas, curtindo sozinha. Odeio ter de impressionar os outros. Estou cansada de mostrar aos outros o que gosto. As pessoas nunca estão interessadas. Elas fingem estar. E quando estão, têm sempre idéias diferentes que as suas, às vezes... As pessoas atrapalham seus próprios pensamentos. Você adora observar aquilo, aproveitar de verdade, e uma pessoa destrói todos os seus raciocínios, quando ela diz alguma coisa idiota que não tem nada a ver, e te deixa incomodada só de pensar. Melhor curtir isso sozinho.

Às vezes, eu acho que sou mesmo muito independente, individualista mesmo, sabe? Eu sou uma pessoa tão tagarela, extrovertida e que gosta de chamar atenção. Mas eu sinceramente, não tenho a paciência suficiente pra agüentar determinadas coisas. E eu realmente me entendo, de uma certa forma, e até acho interessante (levemente sexy) a forma como não me entendo às vezes. Gosto dos meus vícios, estou acostumada com meus defeitos... Sei que isso é um erro, mas eu convivo com todos eles. É de novo, aquela maldita conformidade. É que eu não tenho medo de ser eu. Existe muita gente que tem medo de ser si mesmo. Mas eu não consigo entender essa gente, da mesma forma, que não entendo pessoas que gostam de ser ignorantes, pessoas falsas, pessoas falso-moralistas, pessoas mentirosas... Eu não sei, apenas não consigo entender. Essas pessoas tornam as coisas tão mais complexas, ou então, deixam simplesmente de aproveitar o lado bom das coisas, porque se enrolam nelas mesmas, ou simplesmente não sabem ser elas mesmas... Ah, cansei-me de falar desse papo. Cansei-me de escrever. Isso aqui foi só um desabafo, eu não me importo se alguém (ninguém) ler. Eu nem me importo se vão ou não me entender. Eu não escrevi isso pra ser entendida. Eu escrevi isso pra pessoa com quem mais me importo, de verdade... Eu mesma.

Sim, se você acha isso egoísta. Egocêntrico. Paciência...


(Estou ouvindo: Sevendust - Leech) - Da trilha sonora de "Freddy VS Jason", o filme não é bom, mas a trilha é fodástica! ;P~

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