Uma breve história de toda uma vida


Estou deitada numa cama branca.
Olho ao redor.
As paredes são brancas, o teto é branco e o chão é branco.
Não há janelas.
Há apenas uma porta.
Onde estou?

Levanto.
Surge um espelho na parede.
Eu nunca o vi ali.
Da onde surgiu?

Me olho no espelho.
Me enxergo.
Minha pele é pálida.
Meus cabelos são negros.
Meus olhos são azuis.
Sou magra.
Uso vestes de hospital brancas.
Mais nada.

Minha cabeça está rodopiando.
Meus olhos estão doendo.
Minha boca está amarga.
Minha respiração descompassada.
Estou nervosa e calma, ao mesmo tempo.

A porta se abre.
Vejo alguém entrar.
Alguém que eu não conheço.
É um homem.

Ele tem vestes negras.
Como um sobre-tudo.
Seus olhos são negros também.
Assim como seus cabelos.
Tudo nele é negro.
Eu não o conheço.

Ele me abre um sorriso.
Pisca os olhos.
Estende a mão.
Eu nada faço.
Ele vai embora.

A porta permanece aberta.
Eu caminho lentamente.
Meus pés estão fracos.
Passo, enfim, por ela.

Do lado de fora há um corredor.
Um corredor branco.
Exatamente como o quarto.
E também não há janelas.
Apenas outra porta.
Ela também está aberta.

Não consigo enxergar através dela.
Começo a andar.
Mas não termina aí.

Cacos vidro espalhados pelo chão surgem.
Eles nunca estiveram ali antes.
Continuo a andar.
Ignorando-os por completo.

Piso nos pontiagudos, duros e afiados.
Sinto cravando nos meus dedos.
Sinto cravando em meus pés, profundamente.

Dói.
Dói muito.
Dói como o inferno.
Dói como nunca doeu antes.
Porque eu nunca existi antes.
Mas eu continuo a caminhar.
Quero alcançar a outra porta.

Continuo pisando nos cacos.
Eles vão ferindo a minha alma.
O corredor está vermelho.
O branco foi embora.

Enfim, chego do outro lado.
O que me espera é inimaginável.
Um grande palco de um espetáculo.

O palco é feito de madeira.
As cortinas são rosadas.
E as pessoas já estão ali.
Estão todas prontas para assistir.

Elas sorriem e batem palmas.
Gritam e urram de animação.
Algumas vaiam sem motivo.
O espetáculo do terror.

Eu continuo caminhando.
Andando para o centro daquilo.
Meus pés ainda estão doendo.
E eles moldam um caminho.
Caminho vermelho, molhado e escorregadio.

No centro do palco há uma cadeira.
E sobre a cadeira, uma corda.
Ela está amarrada no teto.

Olho seus rostos tão vagos.
Olho seus olhos vazios.
Todos eles estão ali.
Eu posso vê-los, mas não posso sentí-los.
É como enorme sala cheia de nada.
Uma enorme sala vazia.
Vazia e barulhenta.

Eles gritam e urram e começam a pedir.
A pedir para o teatro se iniciar.
É hora do espetáculo, é hora do show.
Eles me escolhem como a atriz principal.

Mesmo com os pés feridos, eu subo.
Me prostro de pé, como bem me queriam.
Olhando por cima para todas as agulhas.
Me olham de volta.
Com pena, terror e sadismo.

Sorrio sem motivo ou assim parece.
Olho pra cima e seus olhos eu vejo.
Tão lentos e calmos a me observar.
Um homem de negro está sobre o camarote.
Ele me enxerga à frente de todos os outros.

Sorrio sem motivo ou assim parece.
Fecho meus olhos.
Faço uma prece e envolto a corda.
Aperta o meu pescoço.
Cerra-me o ar.
E enfim, da cadeira, devo saltar.

Me lanço.
Encenando o último ato.
Sem dor.
Nem piedade.
Nem nada.
Terminando do jeito que comecei.
Seus olhos negros irritam meus olhos azuis pela última vez.
E é o fim dessa história.
Infeliz.

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